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DISCURSO DE FORMATURA - 2009*


* Colégio Alternativa - Rio das Ostras/RJ/2009

Boa noite a todos os presentes.

É... gostaria muito de ter coragem e largar esse texto, mas a contenção burguesa não me permite. Com o texto em mãos, posso ser mais racional, não me deixando dominar pela emoção, logo debulhando em lágrimas. Vocês sabem disso. Mas continuemos...

É de uma grandiosa honra, oportunidade singular, estar presente aqui nessa noite. Ainda mais sendo homenageado por alunos que me proporcionaram maravilhosos momentos de alegria, trazendo à luz o professor que melhor existe em mim. Sinceramente, não sei se conseguiria alcançar esse nível ou realizar essa façanha. “Quem sabe a morte, angústia de quem vive”... ah, poetinha, é assim que me sinto: radiante... mas intensamente melancólico, angustiado. O ser humano é movido por dois sentimentos: o desejo de mudança e o medo de mudança.

Segundo Gabriel Garcia Márquez, “não importa o que a gente viveu, mas sim o tempo que leva para contar”. O tempo me é escasso. Até porque escrevo apenas um discurso e não um romance. É, turma... o tempo que levaria para contar o que vivemos é extenso. Nossa história não foi costurada pelo silêncio. Entretanto, o tempo cronológico nos chama ao enfadonho.

Nossa história começa assim... “Quer bolete?” Assim fui recebido por essa turma num dia de março de 2005. A diretora Juvira levara-me à sala da 7ª série e me apresentara como professor substituto de Língua Portuguesa. Até hoje não sabemos qual bendito aluno escrevera no quadro essa frase. E assim começava nossa carinhosa relação, que chega ao seu ápice na data de hoje, o dia da colação de grau.

Durante esses anos tivemos uma relação de Eros e Tânatos: amor e ódio. Fomos amantes e inimigos no cotidiano escolar. Como nos amamos, brigamos e nos odiamos! Quantas ocorrências apliquei! Quanto puxão de orelha, quanto sermão! E no final vocês riam de mim, desencadeando gargalhadas acerca da minha própria bronca. Era eu me descobrindo um tipo de “professor”.

Meus queridos, compartilhar esses momentos foi um processo interminável de aproximação. Quando pensava que os conquistava, era então que os mais perdia. Ninguém é a mesma pessoa no instante seguinte. E isso foi esplêndido.

O professor sabe que detém o poder, mas deve trabalhar a liberdade, mesmo que custe caro. E em alguns momentos me custou. A relação entre professor e aluno deve renovar as explicações acerca do método de ensino à medida que o novo surge. Logo, vocês me ensinaram a arte da vida.

Ensinaram-me que o tempero de tudo é a paixão. Ensinaram-me a amar a arte de ensinar. E eu amo intensamente. Olho para vocês e me sinto regozijado. Vários poemas lidos. Várias peças teatrais. E o samba? Cartola – ainda tenho a camisa que me deram - , Noel Rosa, Candeia, Zé Kéti, Paulinho da Viola, Nelson Sargento, Nei Lopes e Luiz Carlos da Vila. Só bamba! Orgulho-me de saber que possuem uma bagagem literária de respeito. Édipo rei, Hamlet, Dom Quixote, Cem anos de solidão, Iracema, Noite na taverna, Dom Casmurro, O cortiço e Vidas Secas. Definitivamente, valeu a pena. Nunca foi uma turma insipiente.

Mas... novamente o mesmo dilema: o que escrever? Eis o fardo da escrita. Repensar nossa relação de anos, celebrando-a pelo prazer da escrita. Uma escrita que mostre o nosso jeito de ser, o quanto nos amamos durante esses anos. Este discurso que traz para perto o sentimento de despedida é o rio que nos separa. A escrita nos revela; é um processo de autognose, auto-conhecimento. Para escrever é preciso pensar o ato da escrita, o porquê da mesma. Segundo Pessoa, “o poeta é um fingidor / finge tão completamente / que chega fingir que é dor / a dor que deveras sente”. E quando penso o porquê dessa escrita, procuro fingir essa dor. A educação é política e profundamente humana. Por isso, encontro-me seguro e centrado por ler esse texto, mas deveras triste por ser humano. Todo balanço é melancólico.

Sinto-me como um tipo de pai. Chegou a fase de abandoná-los. Mas não me desespero. A tendência do ser humano é avançar para o futuro. Todos os pais devem preparar seus filhos para flanarem. Para se jogarem do ninho com a possibilidade de se espatifarem no chão... mas certamente não é o que acontece. O problema é que não me preparei para ser abandonado, para ver meus alunos visarem a planos maiores ou simplesmente para o fluxo natural da vida, o porvir.

Por isso, é gostoso e imprescindível celebrar a vida sabendo de sua finitude. Isso dá impressão de que existimos. É por isso que devemos curtir bastante essa nossa festa. E eu... mais uma vez constatei o porquê da escrita. Só escrevo para preencher um vazio, uma ausência, a carência... a de que vocês farão a minha vida. Obrigado por terem me tornado o professor que sou. Obrigado.

Fábio R Penna

http://www.recantodasletras.com.br/discursos/1414005

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