Acho que hoje meu psicológico
acordou predisposto para um bom vinho. Feito! Embora manhã, o calor do Rio de
Janeiro faz com que, à varanda de onde momentaneamente resido (ou me escondo –
isso pois preciso às vezes me reclusar... do outro, de mim... sei lá... sou
meio doido). Calor, quase 11h, RJ e vinho? Devo ser louco de pedra mesmo... por
um mal-estar físico, ainda que eu alterne o vinho com uma bicada numa taça de
água gelada. Está tão quente que minha camisa já transpira, molhando à altura
de meu abdômen. Na boa, véi, se minha roupa já sua, nem falo do meu corpo... no
entanto, amalucadamente bebo agora um chileno. Sacio a sede do psicológico. Não
sou bom bebedor, mas gosto. Casillero del Diablo (carmenere): elixir poético.
Ao fundo, algo nada comum aos meus ouvidos... samba. Como sou previsível!
Sem querer querendo, ao
bel-prazer de aproveitar a piada-notícia da semana do jornal Meia Hora sobre a
cobertura da morte do presidente da Venezuela, o sem teto da vila do senhor
Barriga, ouvi uma magnífica música do Chico Buarque: “Meu querido diário”.
Linda! Ao ouvi-la, me recordei das palavras religiosas de meus avós quando
diziam que certos nomes não podiam ser pronunciados, pois traziam tudo de ruim
para nossas vidas. É nesse ponto que penso na nossa excremência, o racista e
homofóbico presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Não nomeio,
então não existe... tenho medo. Penso em ter religião e não mais ser apenas
religioso.
Hoje, no tempo sagrado, ao
delírio de meu inconsciente, topei com meu amigo Morfeu. “Bom dia! Ande na luz
e com seu Deus, não viva sozinho... sem mim, seu amante.” “Meu amigo, meus
sonhos me agridem sempre jogando todos os dias na cara várias verdades; são
preconceituosos! Me julgam como se soubessem das minhas lutas diárias, malditos
sonhos.”
Como em “Meu querido diário”,
também penso em ter religião, de fazer sacrifícios de mim mesmo em prol dos
sonhos que me humilham. Mas, Chico, como posso amar uma mulher sem orifício?
Esse meu hoje de “hoje, afinal, conheci o amor” está muito distante. Essa
iluminação humana está longe de ser alcançada por mim. Não sei se um dia
aprenderei o que é o amor. Nem os mais populares sabem o que é o amor: “Se
perguntar o que é o amor pra mim / Não sei responder / Não sei explicar / Mas
sei que o amor nasceu dentro de mim”. Porra, Arlindo, como sabe? Fanáticos
religiosos pelo amor! Não quero me render à ignorância.
Enquanto eu estava nos braços
de Morfeu, vi uma amazona. Uma ex-caçadora belíssima. Todavia, pelas vestes,
agora era uma aristocrata. Eu a reconheci. Estava mais magra e com tez mais
alva como se estivesse passado por um período no Ocidente... sem a força da luz
do sol. Estava esbelta! Linda! Intocável! Não parecia que nem era a mesma, era
ela-outra. Um dia onírico de muito sol, tive o sentimento de posse por ela. Ela
também.
Agora ao seu lado, fiquei
alegre, fiquei atordoado, fiquei incoerente. Ainda que o desprezo por mim se
acentuasse, tudo passava como um dito lírico e fabuloso e apaixonante e
ambrosia. Suas palavras abraçavam meu interior, seu corpo sonoriza “eu te
quero”. Como a revejo, me vêm à mente o botão desabrochando em câmera lenta do
vídeo, a borboleta que antes era lagarta, o gelo que antes era água, a beleza
contida na vida, a música e a dança que põem em transe, os sonhos divinatórios,
os períodos da lua. Sinto a vida e a morte.
Não há melhor ocasião para
encontrar os antepassados. Na memorial casa de Morfeu, eles permanecem vivos
porque mantemo-nos ativos em culto. Lembrar é tirar do estado de letargia
aquilo a que daremos continuação no ciclo da vida-morte ou morte-vida. Para
recordarmos, precisamos alimentar a memória. Gostaria muito de me alimentar
meus olhos com a presença física dela. Garanto que prefiro o amor imperfeito...
aquele que me permite conhecer como de fato ela é... suas manias, gostos...
queria todos os dias negociar e renegociar os meus defeitos com os dela para
que tentássemos manter vivo o amor na eterna-finita chama da diversidade
humana. É esse desafio que desejo da vida.
Entretanto... essa aventura é
a dois... não posso desbravar essa senda sozinho. Gostaria que ela se
aventurasse comigo o desafio. Ela me pede para não a esquecer, pois, assim, não
me exilará de sua mente. Mente? Já leu algum romance piegas em que alguém
esqueceu um amor verdadeiro? Eu não. Mas o que é "esquecer"? Esquecer
é deixar fugir da memória? Se diz que não me esquecerá caso eu não a esqueça...
então está fadada a me amar preso na memória, pois assim a desejo atada em mim.
Se não posso tê-la em corpo, que eu tenha em mente. EU NÃO A ESQUEÇO. Só
lamento a vida não parar... só lamento ter de viver procurando pelo amor (por
ela) em outra mulher que não a seja... lamento que procure em outro homem o
amor que sente por mim. Envelheço a cada dia que passo... e meus sentimentos
também... não terei a jovialidade que ainda me resta se um dia me conceder amor
de corpo. Tudo isso ela não disse, pois nem falou comigo, mas é essa intenção
que quero entender.
Morfeu, por quê? Quando
reencontramos alguém que um dia foi entre aspas nosso, parece que temos o poder
de atrair e seduzir a mesma pessoa e ela de cair em nossas artimanhas...
pensamos que as águas do rio que se dirigem para o mar são sempre as mesmas.
Somente um ser humano mais humano possível pensa isso! Frustrações e
machucados.
Deus me livre das águas que
não movem mais moinhos! Eu creio na reencarnação das águas. Eu creio no ciclo
das águas que evaporam, tornam-se chuva e, assim, têm nova vida. Mesmo assim
são outras! Ao me despedir de Morfeu, seu beijo me conscientizou que devo
evaporar para me tornar água do céu, água revivificada. Se tiver corpo e mente
renovados, a tristeza não estará mais morando em mim. Como canta o sucedâneo
consanguíneo de João Nogueira, a tristeza vai embora de minha alma para eu
cantar novamente com alegria. Quem sabe serei o eu-outro que ela-outra
procura...
Véi, desculpa dizer isso
assim... já estou embriagado pelo vinho, pela sonolência etílica, emoção, choro
de bêbedo... encharcado pelo suor da roupa que teima em se metamorfosear em
líquido... Porra, Chico, sou rude e humano... eu quero amar a mulher de
orifício, aliás... com.
Iniciei as minhas verdades com
um propósito consciente, porém essas minhas divagações desconexas foram mais
fortes. Quem sabe Drummond, em sua face poética, diagnosticasse-me comovido
como diabo por conta do Casillero. Termino essa garrafa, taça, gota,
autopsicografia pessoana... senão tombo antes de terminar a escrita... sendo
mais etanol do que h2o.
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