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CACIQUE DE RAMOS, O DOCE REFÚGIO DA SAGRADA TAMARINEIRA

      No último domingo de julho, eu recebi um convite irrecusável. Até que enfim: eu pisaria o chão do Cacique de Ramos! Reduto de inúmeros famosos do mundo do samba, entre Fundo de Quintal, Zeca Pagodinho, Beth Carvalho, Almir Guineto, Jorge Aragão, Marquinhos Satã, Beto Sem Braço, Arlindo Cruz, Neoci, Sombrinha, Cleber Augusto, Jovelina Pérola Negra e Luiz Carlos da Vila. Ufa! São tantos e tantas mais. O ano era 2008, o último bissexto da década de 2000. Por mais estranho que parecesse, eu ainda não havia transitado pelo espaço da sagrada árvore tamarineira. Eu conhecia os pagodes da rua Bariri, mas não os da rua Uranos. Como poderia eu ainda não ter conhecido esse tradicional território do samba no Rio de Janeiro? Quando criança, passei muitas vezes de ônibus pela Uranos, em Olaria, e olhava para a entrada, mas isso não conta. A primeira passagem, penso, deve ter sido quando meus pais nos levaram, eu e meus irmãos, ao parque de diversões Shanghai, que fica aos pés da Igreja de Nossa Senhora da Penha. Como o Tívoli Park ficava distante, na Lagoa, a referência à cidade Xangai era mais acessível do que à Copenhague.

       No entanto, dessa vez eu iria de carro. Poderia sambar até o tênis furar já que no dia seguinte poderia deixar os pés de molho: recesso escolar. Na ansiedade, me peguei sonhando encontros como o de Zeca e do Camunguelo, esperando uma oportunidade de apresentarem “Amarguras”. Zeca tirando seu cavaco do saco de plástico e cantando com Camunga: “De que vale a vida / Se eu não tenho a sorte / Se a alma é fraca pra que corpo forte / E pra que sorrir se não há esperança / De se ver surgir o dia da bonança”. No mesmo dia, Luiz Carlos apresenta “Solidão e Gás”, parceria com Adilson Victor: “Eu só tenho a exibir / Um sorriso amarelo / Desprendeu-se o meu elo / Com o bom viver / Solidão, duelo que me faz sofrer”. Quando criança, Antônio Carlos para mim era somente o engraçadíssimo Mussum, e não o sambista dos Originais do Samba. Como teria sido bom conhecê-lo pessoalmente! Certamente, não encontraria essa plêiade por mim tão sonhada do samba. É por isso que ansiava conhecer a testemunha ancestral dessas passagens. A tamarineira.

Enfrentando a enorme fila para entrar, escuto “Raça brasileira”: “Eu sou barro, eu sou chão / Eu sou pó, eu sou poeira / Sou filha desse torrão / Eu sou a raça brasileira.” Sem sombra de dúvida, era Elaine Machado que cantava no palco. Um sufoco para entrar. Todavia, outra fila: a da cerveja. A estratégia era entrar e procurar um espaço já com dois baldes de cerva. Fomos eu e Alexandre para fila. E de lá ouço “menor abandonado” sendo cantado por Pedrinho da Flor: “Quero estudar, me formar / Ter um lar pra viver / E apagar esta má impressão / Que em mim você vê”.  A última vez que o tinha visto, há mais de 15 anos, foi na churrascaria Menina Flor, na praça Gil, em Vilar dos Teles. Mas meus ouvidos estavam atentos para as conversas ao redor. Enquanto eu esperava para pegar meu balde de cerveja, um cara comentou ao meu lado que, talvez, o Luiz Carlos se apresentasse hoje. Pô, meu ídolo! Ah, e antes que confundam, não me refiro ao cantor do Raça Negra, não!

Um filme foi iniciado à mente! Lembrei o dia em que o conheci pessoalmente, como se ele fosse uma pessoa qualquer em uma roda de samba. Em 2004, aos sábados, eu costumava ir ao samba do Zé Antônio na Lira de Ouro, em Caxias. Mas antes eu fazia o esquenta no bar de frente, bebendo uma ou duas cervejas, enquanto a batucada não começava. Foi quando vi, atravessando a rua, o Luiz. Meu deus! Era o Luiz Carlos da Vila! Como um ídolo poderia flanar pelas ruas assim e sozinho? Fiquei olhando, gargalhando. Da cerveja, que já estava paga, não bebi mais de três copos americanos. Me levantei e me piquei para a Lira! Foi uma tarde maravilhosa, inesquecível. Luiz era padrinho da filha do Zé. Então, ficou tudo em casa. Foi nesse dia que eu o convidei para participar de um encontro sobre samba em homenagem a Candeia. Convite aceito e brindado com muita cerveja. Foi lindo demais! Mas esse episódio deixo para mais tarde.

A segunda vez em que bebi umas com o da Vila foi no Bohêmios de Irajá, para onde fui levado pelo meu amigo Amílson. Havíamos ido com nossas respectivas namoradas. Era mais uma edição do famoso “Caldos e Canjas” do Luiz e da Jane, sua esposa. Peguei duas cervejas. Amílson pegou jiló frito.

- Provem que vocês vão gostar.

Verdadeiramente divino. Jane mãos de fada. De repente:

- Está vendo esse cara vindo em nossa direção? Sabe quem é? Edmundo Souto.

- Conheço não.

- Conhece sim: “Vim, tanta areia andei / Da lua cheia eu sei / Uma saudade imensa”. Ele compôs com Paulinho Tapajós e Danilo Caymmi.

- Claro que conheço!!!

Após o autor de "Andanças" passar, Luiz então se aproxima. Eu peço para tirar uma foto. De boa, na eterna tranquilidade e simpatia, ele posa para foto. Eu encho o copo dele, que agradece.

O terceiro encontro foi no Clube Pau Perro. Era um evento organizado pela Casarti, do Flávio Lima e da Massari. Mas dessa vez, eu fiquei de longe, pois havia chegado muito tarde. Mas não deixei de brindar com o Luiz, quando Flavinho me chamou para me apresentar meu ídolo. É claro que já o conhecia, mas deixei quieto.

A quarta vez foi no Teatro Rival. Dia 19 de julho de 2007. Era um sábado à noite. Show em comemoração ao aniversário do Luiz. Os convidados eram o multi-instrumentista Dirceu Leite e espetacular Luiz Melodia. Showzaço. Nesses moldes formais, foi a única apresentação que assisti do Luiz. Demasiadamente emocionado, me encantei com o “valeu, Zumbi” interpretado pelo dueto da Vila e Melodia. Era catártico ver os dois cantando o samba-enredo que deu o campeonato para Vila Isabel, em 1988, Kizomba, a Festa da Raça. Luiz era impagável dançando puxando os bracinhos. E, no final da festa, fui para o camarim fingir que queria tirar foto para comer do bolo de aniversário e beber da cervejinha!

Luiz não me conhecia, não importava, pois eu sabia quem ele representava para mim. Bebi com ele no Bohêmios de Irajá, na Lira de Ouro, no Teatro Rival, no Pau Ferro... menos na Faculdade de Letras, na Ilha do Fundão, onde ocorreu o encontro de samba organizado por mim e pelo amigo Paulinho José.

No primeiro período da Faculdade de Letras, eu cursei uma disciplina de extensão chamada “Introdução à Cultura Pré-Islâmica”, pois eu nutria um certo fascínio ancestral pelo tema. O professor era João Batista Vargens. Além de aprender sobre culturas do norte da África, eu tomei ciência do livro Candeia, Luz da Inspiração (1987), escrito pelo próprio portelense João Batista. Embora eu seja Beija-flor desde criança, passei a nutrir uma imensa admiração e carinho à Portela de Paulo, Candeia, Monarco, Paulinho, Tia Surica, Tia Doca e diversos outros e outras. E não posso deixar de mencionar a Mangueira também, já que Cartola e Nelson Cavaquinho também são meus exemplos no samba. Acho que foi a partir do livro do João que comecei a ouvir e reconhecer o mestre Candeia.

Eu conheci meu amigo Paulinho José em julho de 2004, quando apresentei o minicurso “Samba, canto afro-brasileiro marginalizado”, no XXV Encontro Nacional de Estudantes de Letras, que ocorreu na UFRJ. Dessa amizade surgiu, entre muitas cervejas e sambas cantados, a ideia de realizarmos o I Encontro sobre Samba na Faculdade de Letras. E corremos atrás de patrocínio e dos convidados. Paulinho conseguiu com a prefeitura do Fundão o transporte para buscar os convidados. Além disso, descolou 16 garrafas de vinho com o Empório Lidador. A Gráfica Santos, do Vavá, doou-nos todos os prospectos na camaradagem. Éramos dois loucos. Conseguimos o apoio dos professores João Baptista Vargens e Clécio Quesado, para assumirem a organização. Os professores Antônio Jardim, Joel Rufino e Cinda Gonda seriam mediadores. Monarco, Wilson Alfaiate, Mauro Diniz, Luiz Carlos da Vila, Bira da Vila, Cláudio Camunguelo, Tia Surica e Dorina seriam palestrantes. Pelo telefone, Dona Ivone Lara e Nei Lopes até agradeceram o convite, mas não puderam comparecer por não estarem no Rio na ocasião do encontro.




A primeira palestra aconteceria exatamente na data de aniversário de morte do Candeia, uma terça-feira, dia 16 de novembro. Fizemos bastante propaganda, mas não foi o suficiente para lotar o aquário, espaço onde ocorreriam as falas. Então, tomamos um sabão do João Baptista, mas o Clécio passou a mão em nossas cabeças. Eu sentia uma baita dor de cabeça. Paulinho vaticinou:

- Binho, acho que esquecemos de acender uma vela para alma do homem.

E eu concordei imediatamente. 16 de novembro. Paulinho arrumou uma vela com Chachá. Na entrada da Faculdade de Letras, um lume foi aceso ao espírito de Candeia.

Nesse dia da abertura, recebemos Monarco e Wilson Alfaiate. Nós ouvimos os relatos que eram ricos em detalhes e paixões. Candeia era uma pessoa agradável, cheia de ideias, bem politizada. Um sujeito de intelecto brilhante. Em 1975, quando criou o Grêmio Recreativo de Arte Negra e Escola de Samba Quilombo, foi o professor João que escreveu o manifesto. Quando Candeia morreu, em 1978, João Baptista havia viajado para Síria. A festa de despedida havia sido na casa do próprio Candeia. O professor estava em Damasco quando recebeu a mensagem da morte do amigo, quinze dias após sua partida do Brasil. Chorando copiosamente, bebeu uma garrafa de uísque sozinho.

Na quarta-feira, foi a vez de Mauro Diniz dar o ar de sua graça e arte. Outro dia apaixonante e de muito ensinamento técnico. Mauro, quem admirava desde a Rádio Tropical, falava com tamanha sabedoria.

Na quinta-feira, foram Luiz Carlos da Vila, Bira da Vila e Camunguelo. Esse dia mexeu com as estruturas etílicas do Fundão. Fico imaginando a Kombi da UFRJ recolhendo os três em suas casas. Imaginem o papo que rolou durante a viagem. Luiz chegou ao Fundão, disse que estava meio vesgo por causa da vertigem. A noite anterior deveria ter sido boa. Ele adorou a garrafa de vinho, presente da Casa Lidador. Cumprimentou o professor Clécio Quesado com um “Bom dia, mestre”. Além de professor, ele tinha sido jurado de carnaval. O elogio do menestrel da Vila o deixou o doutor felicíssimo.

Com os trabalhos iniciados, as histórias contadas pelos três sambistas foram maravilhosas, principalmente por serem intercaladas por sambas. De todos os relatos desse dia, um me chamou bastante atenção. Luiz disse que ouvia muito uma certa melodia do Candeia. Ouvia tanto que resolveu, por livre e espontânea inquietude existencial, colocar letra em "A luz do vencedor": "Quem não lutar / pra conquistar o que sonhou / fazer por merecer / Se iluminar / com a luz que há no vencedor / Pode até ganhar e méritos não ter".  E em homenagem ao mestre, Luiz escreveu “O sonho não acabou”: “A chama não se apagou / Nem se apagará / És luz de eterno fulgor / Candeia”. Que belas poesias, seu Luiz! Quando acabou a palestra, o povo foi beber umas cervejas no Manguetown, ou famoso Búzios, que ficava atrás da Letras e quase em frente à Reitoria. Contudo, dessa vez eu não bebi com Luiz.

Infelizmente, tive de ir para Madureira, onde eu lecionaria para a turma de Pré-vestibular do Curso Hélio Alonso, que ficava na rua Dagmar Fonseca. Era o curso do Amaureni Mourão, o Bill, que, por sinal se dizia primo da Leci Brandão. Embora eu o tivesse convidado para participar com as maravilhosas Tia Surica (adorava comer seu feijão no Teatro Rival) e Dorina, na sexta, o danado não me liberou, nem compareceu para palestrar. Nem satisfação me deu. Era o Bill do Estácio, como ele me dizia. Do Hélio Alonso, sinto saudades do seu Orlindo, que não sabia na vida o que era inimizade. Quase fui ao lançamento do primeiro cd do showman Flávio Lima, no Teatro Rival. Foi a partir de 2002 que, com Ivan Pimentel, comecei a frequentar o viaduto Negrão de Lima, jongo da serrinha, feijoada na quadra da Portela aos sábados, Buraco do Galo. Às vezes, bebia no bar do Jorge, ao lado do shopping, na rua da feirinha. Eu também curtia beber pelas ruas, nos camelôs, comendo aquele churrasquinho e paquerando uma menina da C&A. Ivan dizia: “Vim cobrar meus dois meses de salário atrasado, e o Bill me leva para o bingo, para eu gastar meu próprio dinheiro.” Tempos engraçados, ébrios e impagáveis!  

Catártico é como todas essas imagens podem ter passado pela minha mente tão rapidamente, enquanto eu esperava pela cerveja. Claro que sim! Mas volto às imagens de meus olhos e demais sentidos: estou no Cacique de Ramos. Luiz não foi. E outra figura ancestral passa a me evocar o olhar: a sagrada tamarineira. E toma-lhe mais viagem. Conheço uma história brasileira afro-ameríndia que narra o mundo sendo sustentado por pilares. Quatro árvores que unem do interior da Terra aos Céus. A tamarineira, o jequitibá, a jaqueira e a mangueira. Mas poderia ser algodoeiro, figueira, não sei. E só escrevo mangueira devido ao grande respeito a baluartes como Cartola, Nelson Cavaquinho, Carlos Cachaça, Tantinho, Xangô, Delegado, Jamelão e inúmeros outros. Então, para mim, o baobá e o iroko são como os ancestrais dessas árvores.

Sobre a Portela, Zé Ketti já cantava: “Quem é que não se lembra / da jaqueira / da jaqueira da Portela / Velha jaqueira / Amiga e companheira / Eu sinto saudades dela”. Foi uma árvore que acompanhou a glória da escola e que morreu sambando. A jaqueira foi derrubada para o avanço da azul e branco. Contudo, teria a águia, símbolo da escola, uma certa homenagem às grandes mães feiticeiras que moravam nessa árvore? É retórico o que pergunto? Pouco importa, mas, lembrando Pierre Verger, ele dizia que não acreditava nessas histórias, mas, por respeito, não deixava que ninguém cortasse a jaqueira do seu quintal. Está bom, Verger! Você sabia muito bem que não deveria se meter à besta com essas senhoras, as mães-pássaros! No Cacique de Ramos, também há esse culto à cosmovisão da ancestralidade brasileira afro-ameríndia. A tamarineira é a representação viva da essência divina que resiste e nos protege há anos. É a representação do herói ancestral, o samba, que nos alegra, conforta e reanima.

Curiosamente, quando pego o balde de cerveja, Cláudio Jorge, Éfson e Andreia Café começam a cantar o samba mais emblemático desse espaço sagrado, obviamente em minha concepção. Alexandre já tinha levado o primeiro balde de cerveja. Fiquei mais aliviado em ir até os colegas, pois já estariam servidos da bebida. Então, escolhi seguir vagarosamente, quase parando. Eu fui arrebatado pela emoção do “Doce refúgio”, de Luiz Carlos da Vila: “Sim... é o Cacique de Ramos, / Planta onde, em todos os ramos, / cantam os passarinhos nas manhãs / Lá o samba é alta bandeira / E até as tamarineiras são da poesia guardiãs”.

Não contive a emoção e as lágrimas. Fui para perto da árvore. Como disse, ansiava em conhecer essa habitação ancestral. Abri a segunda latinha. Lembrei a explicação do Luiz para composição dessa poesia. No Cacique, ele bebia uma cerveja com o Ubirany, quando uma folha de tamarindo caiu no copo de cerveja. Daí veio a provocação do Ubirany: “Então caiu uma folha dentro da cerveja. Não lembro se no meu copo ou no dele. Aí disse o Ubirany: ‘E aí, você não é poeta? Faz uma música para isso aí.’ Qualquer coisa que acontece comigo, as pessoas logo pensam que vai dar poesia, sei lá o quê.” Esse depoimento está nos bastidores da gravação do dvd do Fundo de Quintal, gravado ao vivo no Olimpo, na Vila da Penha.





Ouvindo “doce refúgio”, me inclino e beijo a árvore. Eu já estava na terceira latinha, e minha namorada já havia ido me buscar. Que essa árvore tenha suas raízes cada vez mais firmes e embrenhadas no solo profundo de nossa consciência, para que nossa cultura em nós seja mais forte e resistente. Que o respeito à natureza, como representação de uma partícula de Deus, faça o homem também se respeitar como representação do mesmo. Meus respeitos, Tamarineira. Eu a saúdo! Que eu tenha humildade e sabedoria para ensinar aos meus descendentes o respeito que devemos ter. Eu acho que foi esse discurso etílico que, sem pudor, fiz à copa da tamarineira. Voltamos para o grupo de colegas. Percebi que a noite prometia muito ainda, pois Ivan Milanez, Gilmar Simpatia e Wilson das Neves estavam sentados à mesa, esperando o momento para cantarem. Mas o Luiz, que pintou uma oitava cor num arco-íris e plantou num xaxim um baita de jequitibá, não apareceu mesmo. Mas o show teve que continuar. Cansados, fomos embora. E eu com o coração leve. Alma livre. Extasiado. Apaixonado.



Três meses depois. Madrugada do dia 21 de outubro. Era uma terça-feira. Na Rodoviária Novo Rio, às 04h, eu havia pegado uma lotada para Macaé. Eu deveria estar em sala de aula às sete horas da manhã. Talvez, com um desjejum na padaria perto do colégio. Sem a certeza desse café, costumava beber durante a viagem. Em Itaboraí, o motorista parava, cobrava as passagens e colocava gás veicular. Foi quase chegando ao posto de gasolina que, na rádio Tupi, eu ouvi o inesperado. Luiz Carlos da Vila havia falecido. No banco traseiro, exprimido entre duas outras pessoas, me assustei com a notícia. Incrédulo e sem raciocínio, chorei, chorei calado. No posto para abastecimento, bebi um café mortificante. Meu dia foi arrastado, pesado, triste. Na hora do almoço, liguei para o Bira da Vila, que também estava arrasado. À noite, em Rio das Ostras, eu e Flávio Lima fomos à taverna da amendoeira, bar do Márcio, e pedimos umas cervejas. Precisávamos gurufinhar o mestre Luiz Carlos da Vila. Bem que o Aldo Guerra queria que bebêssemos em sua casa. Mas o silêncio era preciso. Com raras falas e choros contidos, bebemos a morte de nosso ídolo e amigo. E quem mais fazia barulho eram nossas goelas.

O carioca Luiz Carlos da Vila partiu em viagem no dia 20 de outubro de 2008, aos 59 anos. Era uma segunda-feira das almas. Sem sombra de dúvida, foi um dos mais talentosos compositores da geração do Cacique de Ramos. Intérprete da melhor versão de si mesmo, nasceu em Ramos para de ramos assobiar em frondosas árvores. Luiz da Vila da Penha era de todas as vilas, vielas e becos, diz Nei Lopes. Quantas saudades desse passarinho, Luiz Carlos da Vila...



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