Em 2018, eu preparava a
mala para participar do 3º Festival Afro-Montuvio, em Calceta, pequena cidade
que fica na província de Manabí, na costa do Equador. Em duas noites,
conheceria a cultura dos montuvios, camponeses que habitam a zona costeira,
imbricada por inúmeros rios. Na realização desse festival afro-equatoriano,
havia um grupo de montuvios e afro-esmeraldeños reunindo artistas e intérpretes,
para celebrarem as ascendências africanas e indígenas como resistência da tradição
oral. De dia: conversas e compartilhamentos sobre as identidades e os seus
entrelaçamentos. De noite: músicas, teatro, dança, improvisações e declamações
de poesia.
Fui convidado por minha
amiga, promotora cultural e poeta Alexandra Cusme. Nós nos conhecemos em outro
evento, em Piriápolis, no Uruguay, em 2015. E ela tinha me prometido um dia me
convidar, e o convite surgiu em 2017. Este foi o ano em que ocorreu um
terremoto que destruiu muitas casas, matando muita gente. Ruínas que pude ver
no ano seguinte, quando tive condições de aceitar o segundo convite. De
abertura: foi uma experiência fantástica, ou melhor, animista! Seu desejo era
que eu fizesse uma intervenção que apresentasse as similitudes em torno da
temática africana resistente na América por meio da Cultura, da Arte, da
Literatura, da Música. O solo que nos une é aquele mesmo regado pelo sangue africano
e indígena, pensei. Hum, paixão, música, literatura, corpo... proposta pronta: “La
Samba como encrucijada de resistencia de la cultura afro-brasileña: de 1917 a
2018, la ‘Gente de la Antigua’ presente en las venas de la gente da activa”.
Rio – Quito – Manabí. Rafa me aguardava no aeroporto com uma placa contendo meu nome. Ao chegar, o festival já havia iniciado. Assim que me avistou, minha amiga Negrita me recebeu com um bem-vindo identitário, pondo-me a bailar na roda de uma dança negra do Pacífico, ao som de marimba esmeraldina. Logo de cara, todo sem jeito corporal, entrei em contato com resistência desde a época da escravidão. Após essa primeira dança, Rafa Estrada me levou ao meu quarto. Fiquei hospedado na Casa Cultural Experimental Montuvia, que fica às margens do rio Mosca, onde poderia mergulhar ou admirar e ouvir os sons da natureza embalar você para dormir. A casa foi construída em cima de colunas de madeira, tendo que subir pelas escadas. É a memória de casa na árvore da infância. Nesta noite, que foi linda, apreciei as apresentações culturais, porém não permaneci por muitas horas já que estava cansado.
Todos os eventos eram comunitários.
E o desayuno era o “buen día” para todos. Toda alimentação era feita em
talheres e cuias de madeira. Tudo feito com bastante carinho, comunitariamente,
e com bom gosto. A manhã era destinada a aulas de artesanato. As palestras
seriam à tarde. O mesmo ritmo seguiu o almoço. À tarde, apresentei minha
proposta de intervenção. Havia escolhido o samba como encruzilhada de
resistência da cultura afro-brasileira, da gente da antiga e da gente da ativa.
Era a ocasião justa de uma homenagem à obra para além das terras cariocas,
aliás, brasileiras. Eu estava doido para falar sobre os problemas políticos que assolariam o Brasil, caso a ultra-direita fosse eleita. Samba é isto: política! Questão de mente sã. Enfim, minha amiga Negrita desejava mais amor, menos dor.
Foto: Fábio R Penna. |
Foto: Alexandra Cusme. |
O long-play Gente da Antiga estava comemorando cinquenta anos de lançamento, 1968. Em um passeio pela história negra brasileira, Pixinguinha
(Rio de Janeiro, 23 de abril de 1897), Clementina de Jesus (Valença/RJ, 7 de
fevereiro de 1901) e João da Baiana (Rio de Janeiro, 17 de maio de 1887) foram
reunidos de forma inédita. Em janeiro de 68, esse trio da velha guarda, baluartes
obrigatórios no choro e no samba, deu uma aula de música afro-brasileira, ao
gravarem as músicas que foram selecionadas para o disco. Contendo algumas
canções tradicionais de candomblé, o repertório do LP desses mestres da
tradição oral é composto de choros e sambas de Pixinguinha e João da Baiana. Como
esse Herminio Bello era um gênio! A mensagem contida nos sambas tem que ser
decifrada para além de sua aparente simplicidade, pois há uma tradição
afro-brasileira de ocultamento do significado originária sobretudo do jongo.
Muito se engana ou muito se distrai, ou ingênuo deve ser, aquele que acha que o
samba não é terreiro para fazer críticas à política, ao racismo e a qualquer
forma de opressão. A cultura afro-brasileira está viva no samba. Caso não goste, é só curtir outros ritmos e outros espaços, por exemplo, em sua própria casa.
João da Baiana, Clementina de
Jesus, Pixinguinha e Donga, na Passeata dos Cem Mil contra a ditadura militar, em 1968.
Disponível em: <https://www.plural.jor.br/documentosrevelados/geral/foto-memoria-joao-da-baiana-clementina-pixinguinha-e-dondo-na-passeata-dos-cem-mil/>. Acesso em 16 de abril de 2020.
Enfim, eram 15 minutos de
intervenção. Pensei em três músicas, as quais colocaria em diálogo com outros
três sambas da atualidade. Samba da antiga e samba da ativa, cem anos de veia
afro-brasileira. Dos sambas da antiga: “Batuque na cozinha” (1917), “Cabide de
Molambo” (1917) e “Yaô” (1922). Dois dos sambas escolhidos tinham completado
101 anos.
“Batuque na cozinha”,
música centenária composta por João da Baiana. De introdução musical gostosa
aos ouvidos, a letra fala de uma habitação coletiva, da qual a mulata Inês era
a responsável. É lá que o sujeito da canção encontra um branco metido a mais
malandro do que os outros, mas que com ele não teve vez. Refrão: “Batuque na
cozinha / Sinhá não quer / Por causa do batuque / Eu queimei meu pé”.
“Yaô”, samba de terreiro composto
por Pixinguinha e Gastão Vianna. Música interpretada pelo João da Baiana. Com
palavras do iorubá aportuguesadas, o samba é evidentemente de tema afro-brasileiro,
falando sobre temas do candomblé. Apresentei um vídeo da Tia Quelé cantando.
Refrão: “Yô yôo / Yô yôoo / No terreiro de preto velho iaiá / Vamos saravá (a
quem meu pai?) / Xangô”.
"Cabide de molambo", outra
música centenária composta por João da Baiana. Samba que evoca a figura do
malandro cabide de molambo, que conheceu na Gamboa. Um malandro que me lembra o estilo do Mestre
Tamoda, da obra de Xitu. Malandro de Cabide era quase um poeta popular de acordo com seus conhecimentos. Um marginalizado orgulhoso de si. Refrão: “Meu Deus eu ando / Com sapato furado / Tenho a mania / De
andar engravatado / A minha cama é um pedaço de esteira / E uma lata velha, que
me serve de cadeira”.
Produções das décadas de
1910 e de 1920, que apresentam um gostinho da nata da musicalidade
afro-brasileira no samba. Para mostrar que cem anos depois essa veia ainda circulava
nos sambas atuais, escolhi três músicas. Foi difícil, pois havia muitas outras
letras poderosas, outros cantores como Moisés Marques, João Martins, Toninho
Geraes, Bira da Vila... Mas, cá para nós, baixinho, sou fã inveterado de Luiz Carlos da Vila e do Reinaldo, enfim.
Primeira. “De lá”, música de Nego Álvaro e Alison
Martins. O sujeito lírico fala da viagem pelo mar da África para o Brasil,
sem esquecer o amor por sua terra que resiste em novas invenções na Bahia.
Música de profusão de sentimentos. Na gravação da Rádio Mania, no Beco
do Rato, aquela introdução maravilhosa no ijexá! E é claro que eu estava
presente no dia da gravação. Refrão: “Quando avistei a terra jurei sem
choradeira / Ajoelhei nas pedras e me deitei na areia / Agradeci a deusa mãe
por me deixar partir / Mãe África /Subi ladeira, andei, cheguei no pelourinho /
Olhar acolhedor, pensei é o meu caminho / Festa pra receber quem conseguiu não
desistir pela África”.
Segunda. “Pra matar o preconceito”, música de Raul di Caprio e Manu Cuíca. Interpretação do Grupo
Arruda, na voz da talentosíssima Maria Menezes. Como não ficar emocionado com
essa canção na performance da Maria? Principalmente, ao vivo no Renascença. Uma
letra crítica contra o sexismo, violência contra a mulher e preconceito racial.
Uma ode à beleza negra, às mulheres negras. Refrão: “Sou Zezé, sou Leci /
Mercedes Baptista, Ednanci / Aída, Ciata / Quelé, Mãe Beata e Aracy / Pele
preta nessa terra / É bandeira de guerra porque vi / Conceição, Dandara / Pra
matar preconceito, eu renasci”.
Terceira. “Saudação aos
tambores”, música de André da Mata e Mingo Silva. Nessa canção, o sujeito
lírico pede respeito aos tambores como símbolo da resistência da ancestralidade
dos orixás e antepassados do Brasil. Refrão maravilhoso: “Ogunhê! Odoiá! Okê
arô! Ora yêyê o! / Eparrei! Salubá! Atotô! Kaô cabecilê! Epa babá!” Neste
vídeo, o mestre da cozinha é Pedrinho Ferreira, juntamente com o auxiliar Kekinho
no tantam.
Depois que terminou minha
fala, foi aberto espaço para perguntas, que, por sinal, foram muito boas e
curiosas. E uma pergunta em especial me foi bastante inusitada. Uma velhinha
indígena, após dizer o quanto tinha ficado emocionada com a musicalidade dos
tambores e a paixão com que falei do samba, ela me perguntou o que era
o amor? Eu me engasguei com nada... mas como sou divertidamente musical, veio-me
o Arlindo à mente: “Se perguntarem o que é o amor pra mim / Não sei responder”.
Foto: Alexandra Cusme. |
A pergunta era retórica, não precisava de resposta. Ela riu. A experiência não
dá cartão de visita. Enquanto houver forças, eu louvarei, tocarei e dançarei para
o meu sagrado, para os meus antepassados... assim ela continuou falando. À
noite, eu contarei uma história e dedicarei a você e ao seu samba, brasileño.
Foto: Alexandra Cusme. |
E
a ansiedade me abraçou fortemente. De noite, lá pelas tantas, um grupo musical se
apresenta e encerra sua participação com uma canção que mexeu muito comigo pela temática da letra,
além, obviamente, da musicalidade. Era uma salsa que narrava a história de um
casal africano escravizado que se rebela contra seu dono espanhol. “La
rebellion’, do afro-colombiano Joe Arroyo.
Amável dançar. Gratificante
ver as crianças e mais velhos cantarem. Eu já estava no brilho. Até que a próxima
apresentação é de uma poeta afro-montuvia. Muito encanto, muita harmonia. Ela declama
três poemas, mas o quarto arrebata fortemente. É a primeira vez que ouço, e ao
vivo, o poema “Me gritarom negra”, da afro-peruana Victoria Santa Cruz. Estarrecedor.
Minhas pernas tremiam com o poder do poema declamado. Não sei o que dizer,
apenas leiam o poema e sintam.
Foto: Alexandra Cusme. |
Enfim, já em frangalhos, chega
a contadora de histórias, a griote, mas não sei se é o termo correto, foi o
que pensei. A velhinha indígena começa. Ela e o maracá. Eu ofereço minha
narrativa para o brasileño. Não se esqueça: o que é o amor? Todos riam, creio
que todos, porque olhei para ninguém. Minha cara vermelha. Não sabia onde esconder, me esconder.
Minha abuela morreu com
mais de cem anos de vida. Seu nome era Arlete. Cabelos longos e branquinhos. Ela me dizia que nós
mulheres nascíamos em um mundo que não era nosso, que tínhamos de servir ao
pai, aos irmãos, ao marido. E assim o mundo era perfeito. Mas um ser divino
habitava o interior de todos os seres humanos. Era a Individualidade.
Independente do sexo da pessoa, lá no seu interior morava a Individualidade. E
a subjugação da mulher era obra do mundo. Mas essa pequena divindade agitava
dentro de nós como um turbilhão, uma chama que nunca se apaga, sabem? A
felicidade da família era essa baseada nessa organização social em que nós
mulheres somos felizes na subserviência. E assim o amor era uma tradição de
família, que sempre encontrou o par ideal para amar e ter filhos. Desde as
abuelas de minha abuela, sempre foi assim: não conheciam seus maridos antes do
casamento. E a família era perfeita. Da porta para fora, essa era a impressão.
Mas, no interior de casa, esse ser morador do nosso interior, aliado a uma
divindade aquilina, fazia o nosso mundo ser diferente. Da porta para dentro, a
matrilinearidade à negociação.
Foi minha velhinha abuela, dona Arlete, que me contou essa história que invento agora. É exatamente sobre a busca do
amor em conflito com o que a sociedade apresenta como o caminho certo a ser
seguido. É igual a essas histórias que falam sobre artefatos que estão
espalhados pelo mundo, os quais devem ser reunidos para ganharem o encaixe perfeito. Essa
mágica é o amor. É a história de uma mulher, mas, como disse, vou atualizá-la
com um personagem masculino, já que é para você, meu brasileño. Eu crente que
já tinha me esquecido e lá a velhinha me fazer passar mais vergonha. Nesta noite eu conto a história
de um homem chamado Você, que morava em um distrito pobre.
......................
Você era inteligente, bom
profissional, bom amigo, bom vizinho, bom filho aos pais. Você era um homem de
caráter que aceitava como as pessoas eram. Porém, um sentimento o afligia. A
solidão. Mas como só se rodeado por tantas pessoas que o queriam próximo? Você vivia sozinho e triste, por isso. Você era marcado pela
infelicidade, pois não havia encontrado um amor, não tinha descendentes, um
homem de má sorte, que não concordava em tornar uma mulher subserviente ao
patriarcalismo. Você queria uma mulher para dividir seus dias, para ter filhos,
para ser pai, mas não para ser homem de sua sociedade. Mas essa tristeza era o
seu segredo, pois sua infinita felicidade não demostrava essa fraqueza. Mas por
que Você não sossega o faixo com mulher alguma?
Um dia ele foi visitar
uma anciã que morava distante da pequena vila, bem no meio do mato, em uma
roça, onde plantava, colhia e cuidava dos seus bichos. Era uma velha, como minha
abuela, conhecida como feiticeira por não ter se rendido ao mundo dos homens.
Ingênuos! Aquela mulher tinha sido muito feliz enquanto viveu ao lado de sua
companhia, já habitante do mundo dos antepassados. Ela usava um colar verde e
marrom igual a esse que está no seu pescoço, brasileño. Você precisava de uma opinião
sociorreligiosa que fosse diferente daquela que todos os sacerdotes do seu
distrito sugeriam: tome uma mulher que ela será sua esposa obediente e lhe dará
filhos. Um homem sem família não pode ser visto seriamente.
A anciã o recebeu com a
hospitalidade de uma avó que espera pela visita de um neto querido. Você disse que desejava encontrar o amor da sua vida. Disse que via a anciã como último
recurso para seguir um caminho diferente. Ela consultou o seu oráculo para
auxiliar o jovem.
- Para encontrar a moça
dos seus sonhos, aquela que o fará feliz, aquela que o invadirá como música, é
preciso fazer o encantamento certo. É preciso agraciar o ser espiritual que
habita o interior de todos os seres humanos: a Individualidade. É essa
divindade que colocará seus pedidos dentro do furacão, ganhando um poder contra
o qual ninguém pode o contrário. A conquista é sua. Vá para o encontro de quatro
caminhos diferentes. Lá, Você, cante para a divindade Individualidade. Então, preparará
uma poção, um encantamento. Colocará em um pote de barro mel, anil e água, sempre a
convidando para que ela ponha seu poder sobre o encantamento. Converse e
explique o que deseja. Sempre cantando. Diga de alma. Seja sincero, abra o
coração. Dance, se se sentir bem. Quando tudo estiver bem misturado, a poção estará
pronta! Mas não é só isso. Você deverá ir para dentro
do mato. Encontre uma árvore frondosa. E de frente para ela, evoque a Mãe Terra.
Sabe que todos nós saímos de seu ventre e ao mesmo voltaremos, né? Molhe o chão
e a chame. Cante. Eu já ia me esquecendo de uma coisa muito importante. Escreva
uma carta para a Mãe Terra, explicando o que você deseja.
- Anciã...
- Essa carta será
enterrada no final...
- Abuela...
- Você colocará a carta
no chão e rezará para Mãe Terra e chamará a Mãe dos Pássaros. Cante para elas. Você
pedirá à Mãe Terra que ela faça brotar de seu chão o ser do sexo feminino para
ser sua companheira. Voltando-se à Mãe Aquilina, peça que esse corpo do sexo
feminino, concebido pelo ventre da Mãe Terra, seja abençoado pela feminilidade.
Dance agarrado a elas. Permita-se dominado pela musicalidade. Coloque a carta no
chão e jogue a poção em cima do papel. Para encerrar, faça um círculo de água
no chão e encoste seu ventre no solo. Agradeça e vá embora. Você terá de fazer
essa oferenda quatro vezes... de quatro em quatro dias.
- Abuela...
- Sim.
- Mas... e se, por acaso,
eu não souber escrever na língua das divindades? Eu não sou sábio como...
- E você acha que algum
carteiro pegará sua carta e entregará à Mãe Terra ou à Mãe dos Pássaros? Não
seja bobo, meu neto. Cada um usa aquilo que domina e melhor sustenta sua fé. Se
você não soubesse escrever ou não tivesse como escrever, eu diria para você jogar
sua fala sobre o chão.
- Como assim?
- O poder da sua fala é o
suficiente para o encantamento, para as Mães o entenderem. Você germinará o
ventre da Mãe Terra com sua saliva. Entende? Cuspa no chão.
- Não é desrespeitoso?
- Caráter e respeito não
são medidos por essa escala. Você fará essa oferta por dezesseis dias. No vigésimo
dia, volte ao local onde lançou sua saliva e a poção. Evocando novamente a Mãe
Terra, você jogará terra sobre, como se estivesse enterrando. Após, verterá
mais mel, pedindo que um ser humano doce seja gerado. Vá para casa, conduza sua
vida como antes e seja feliz. E espere a musicalidade tomar seu corpo. Será ela,
aquela que tanto deseja. E vocês dançarão juntos.
Feliz, o jovem saiu da
casa da anciã cantando e dançando. No dia seguinte, ele já estava realizando as
orientações. Com carta e com cuspe para ter mais êxito. Fim da história.
- Mas, abuelita, acabou a
história? O que houve com o jovem Você? Deu certo? Ele encontrou o amor que
desejava? Ele foi feliz? Perguntei-lhe.
- Minha querida neta, se
deu certo ou não, pouco importa que eu saiba ou que saibamos. Ele enterrou uma
carta selada pela própria saliva, germinando o útero da Mãe Terra. A Mãe dos
Pássaros habitou esse corpo de feminilidade, de fertilidade. Foi como Você
pediu. Todavia, antes desses preceitos, ele preparou uma poção encantada pelo
poder da Individualidade. O corpo feminino criado pelas Mães teve em seu âmago a
divindade Individualidade. Minha neta, não há amarras sociais ideais quando se
há liberdade para ser humano de verdade. Onde Exu habita, a liberdade é possível.
E, no mínimo que eu posso achar, ele deve ter sido feliz com uma companheira que
não foi criada para ser submissa ao patriarcalismo. Mas tenha calma, isso é
apenas uma história para ser contada na fogueira, ou você acha que alguém vai sair de dentro da
terra para casar com alguém? Só se for uma defunta, uma morta-viva sem cérebro.
O mais importante é sermos felizes. Eu fui. Como dizia seu avô, “não procure um
amor pronto, mas mantenha os olhos abertos para o diferente.” No dia que
formos homenagear nossos antepassados, os nossos mortos, pergunte diretamente a ele, seu avô, se
a oferenda surtiu efeito. Eu fui muito feliz com a musicalidade e dança de sua
vida. Dançamos juntos no ritmo do encaixe de nossas individualidades.
.........................
Brasileño, eis a resposta
para minha pergunta: o que era o amor? É aquela musicalidade negra-indígena que
mexe com nossos corpos e nos faz sonhar uma vida melhor para além da realidade. Como você disse mais
cedo, o chão que nos une é o mesmo, e eu digo que é nesse chão de mel, anil e água, onde
germinamos irmãos no mesmo ventre. Se “la samba” o faz ser feliz, como mostrou,
é porque seus antepassados são honrados, são nossos.
Depois de rememorar esse
momento, fiquei até sem saber o que escrever para concluir esse conto imagético. Enfin, como diz Candeia, "quem reza por mim que o faça sambando", pois não dá para sentir esse narrativa sem ouvir sua musicalidade.
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